terça-feira, 6 de maio de 2008

Dona Maria é a mãe!!! (e a minha é mesmo)

Eu e Dona Mãe nunca nos demos muito bem. Pra falar a verdade, isso vem desde o tempo da gravidez (Freud explica). Meu pai tem sangue conflitante com o dela, e eu tenho o sangue dele. Gravidez complicada que só. Na hora do parto, doze horas na mesa de operação. Soube esses dias desse detalhe. Depois que nasci, Dona Mãe não queria nem me olhar. Justificável. Ela quase morreu por minha causa. Mas depois dessa experiência traumática, ela engravidou de novo. E o bebê morreu. E a gravidez seguinte foi tão (ou mais) complicada que a minha - sempre por causa do meu sangue que ficou nela. Pra completar, meu irmão nasceu prematuro por minha causa. Já explico: eu tinha o hábito de dormir com um elefante de plástico, mas desde pequena que sou inquieta e numa noite de fevereiro derrubei o tal elefante. Dona Mãe achou que EU tinha caído da cama e, com o susto, entrou em trabalho de parto. Quase que esse irmão morreu também, mas Deus é bom e ele nasceu (e se tornou minha versão masculina).
Bem, não sei até que ponto isso é positivo, mas herdei o gênio arisco de Dona Mãe. E sabem o que dizem por ae.. "dois bicudos não se beijam". Então era assim.. Ela não quer? Eu vou lá e faço. Eu quero? Ela proíbe. Quase como Tom & Jerry. Pra fazer ainda mais contraste, o irmão mais velho é o Peter Perfeito (aquele da Hanna Barbera).. exemplo de filho que sempre tira nota alta, e faz música, e obedece e não questiona nada. Em outras palavras, um chato (que eu amo, diga-se de passagem). Pra piorar: sou dislexa - mas meus pais nunca souberam disso (eu mesma só soube despois de adulta). Isso dificultava um pouco as coisas pro meu lado. Inquieta, esquecida, desligada, relaxada, impaciente, respondona. Todos esses adjetivos fizeram parte da minha infância. E as brigas de Dona Mãe, os castigos, as broncas.... Eu era sempre a culpada. Quebrou? Foi a D. Sumiu? Foi a D. Ninguém fez? A D. devia ter feito. Na adolescência, uma das minhas mais fortes características de hoje já se fazia notar: extremamente questionadora do sistema, quase uma revolucionária-seguidora-de-Che-Guevara. E o contraste com Peter Perfeito era ainda maior. Resultado: brigas, brigas e mais brigas.
Dona Mãe é do interior do Nordeste, filha de um cabra da peste e uma muié arretada, e irmã de onze cabras do c* riscado. A forma que ela foi educada deu certo com eles. E ela achava que daria certo comigo. Sei que ela fez o melhor que podia, que sabia, que tinha aprendido. Sei mesmo! Aliás, foi essa consciência desde muito nova que me impediu de seguir pelo caminho da rebeldia infundada. Apesar disso, sempre defendi meu espaço, meu ponto de vista, meu querer. E por tudo isso que relatei acima, aprendi a fazer isso baseada em alguma argumentação lógica. Era assim que funcionava com Pap. Mas com Dona Mãe não tinha jogo. Era o que ela queria e ponto. Por conta disso, nunca fomos amigas. E isso me doía. Minhas amiguinhas, minhas primas... todas tinham a mãe como confidentes. Eu não. E quantas vezes chorei por causa disso. Achei que nunca, nem mesmo quando eu fosse velhinha, iria conseguir conversar numa boa com Dona Mãe.
Bom, o tempo passou. E apesar disso tudo, acho que sempre fui uma boa filha. Dona Mãe sempre lamentou não ter feito faculdade.. Casou logo, teve filho no ano seguinte. E mais outro. E mais outro e mais outro. E com tantos filhos fica difícil estudar e cuidar de marido, e cuidar de si... Mas os filhos crescem, né? E numa das nossas discussões ela ameaçou que ia largar todo mundo e viver a vida dela e fazer a faculdade que tanto sonhava. O que ela não esperava era a minha reação. Dei TODO apoio. No dia seguinte fiz a inscrição dela nos vestibulares públicos e particulares. Acho até que paguei uma das inscrições. E lá foi ela, a senhorinha de 56 anos, posando de caloura. Toda boba, toda feliz, toda insegura. Filha, eu não estudo desde os 27 anos!!! Ah, mãe, que isso.... eu te ajudo no que a senhora precisar. E tem sido assim há quatro anos. De verdade! Largo tudo aqui e parto pra Mamy's house pra fazer trabalho com ela (ou pra ela), compro livro, pego emprestado o material das amigas, digito trabalho, reviso texto, arrumo a casa dela pra ela ter tempo de estudar...... E faço isso amarradona, feliz da vida por estar ajudando quem tanto me ajudou.
Há dois anos precisei mudar de cidade por causa do trabalho. Me meti a besta de morar sozinha. E a partir disso nossa relação começou a mudar. Acho que ela passou a me ver como adulta. Fui a primeira a sair de casa.. Logo eu, a filhinha do papai.. E depois disso a relação tomou um rumo diferente... Esse final de semana estive em Mamy's house por conta do feriado. E pela primeira vez consegui contar coisas da minha vida pessoal pra ela. Pela primeira vez conversamos como amigas. E ela me ouviu sem me recriminar. E me deu conselhos, e riu comigo!! Falamos até umas sacanagens (ELA falou. Eu me limitei a rir e ficar vermelha). E no dia seguinte me ligou pra saber mais informações sobre o que eu tinha falado. E agora me apoia, e quer me ajudar... A faculdade fez bem pra ela. E sair de casa fez bem pra mim. Aprendemos a nos olhar com respeito; a olhar as tantas caracterísitcas comuns e conviver; a perceber as diferenças e respeitar; aprendemos a admirar uma a outra.
Quando eu era adolescente, queria ter outra mãe. Mas agora que sou adulta, mudei de idéia. Quero continuar com a Dona Mãe. Se hoje sou o que sou, é muito por conta dela. Por tudo o que ela fez, de certo ou de errado. Sei que tudo foi feito com a intenção de me tornar uma pessoa boa, de me preservar. E admiro isso nela. Hoje em dia, quando conversamos, ela diz - com grande pesar - que só agora tem consciência que errou muito (ela faz Psicologia). De verdade? Tem problema não. Eu sou fruto desses muitos erros e, na boa, acho que ela acertou em tudo. Tudo o que eu queria naquela época era que a gente se entendesse como nos entendemos hoje. Precisou o tempo passar pra gente conseguir esse entendimento.
Dona Mãe, valeu!! E só pra não perder o costume..... Psicólogo acha que é Deus. Mas, mãe, Historiador tem certeza que é!!!!!!
Te amo, semi deusa.



Dona Mãe, uma senhorinha com seus inconfudíveis cabelos brancos e sorriso característico

 

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